25.4.12

 

25 de Abril : Saudação Amarga


Sendo hoje, 25 de Abril de 2012, um dia de festejo oficial, venho aqui lavrar um pequeno depoimento sobre o espírito do momento, vivido 38 anos depois do que parecia o início de uma nova era : de paz, de liberdade e de prosperidade: económica, cultural e social.
Será um depoimento breve, porque as palavras estão gastas e de tanto uso impróprio perderam sentido.
Considero que o essencial, sobre este tema da revolução do 25 de Abril, já foi dito e redito. Proliferam histórias da carochinha, carregando de tintas negras o regime anterior, em contraste com as maravilhas que a revolução trouxe aos portugueses.
O regime derrubado nessa data, longe de ser um bom regime, desde logo não democrático, deve, no entanto, ser avaliado no contexto histórico em que surgiu, se desenvolveu, entrou em estagnação e depois em declínio.
Teve méritos iniciais indesmentíveis, pelo menos, até à 2.ª Guerra Mundial, a de 1939-45, ficando depois dela desenquadrado do ambiente político internacional. A sua sobrevivência nos cerca de 30 anos seguintes é motivo de espanto, só explicável pela fraqueza das alternativas oposicionistas, aliada à cobertura das Forças Armadas.
Pouco interessa hoje especular porque falhou o antigo regime. Já não tem motivação política, mas apenas histórica. Interessará muito mais analisar o fracasso do actual regime, esse cadáver adiado, que já não entusiasma ninguém, excepto a corte que dele vive e a quem ele generosamente alimenta.
Nesta corte se incluem os que alternadamente ocupam o Poder e vão mudando de papéis, como os actores profissionais fazem no Teatro, uns com maior, outros com menor brilho.
O balanço que a Nação pode realizar destes quase 40 anos transcorridos é arrepiante : na Economia, com taxas de crescimento modestíssimas, nos últimos anos em regressão, na Indústria, diminuída, na Agricultura, definhante, nas Pescas, idem e está traçada, nestes pilares, o fundamento da nossa actual situação material, como País.

No aspecto educativo, o balanço é pior ainda : sucessões de gerações mal preparadas, técnica e culturalmente, saindo das Escolas, primárias, médias e superiores, grandemente ignorantes, não só do País em que vivem, como do Mundo em que terão de sobreviver.
Pouco destes dois universos conhecem, para além do que os filmes, as músicas e a internet lhes vão mostrando, a maior parte, não estando em condição intelectual de compreender o que eles lhe oferecem.
Tudo absorvem acriticamente, em pura atitude consumista, esmagados pela avassaladora produção mundial de lixo mediático que lhes é servido sob a designação de cultura.
Um País que precisa de se erguer do lamaçal em que se acha precisaria de gente com outra preparação intelectual.
Da formação ética, ainda se torna mais difícil falar. Aqui, as novas gerações serão menos censuráveis, visto que têm colhido exemplos completamente nocivos da parte dos seus educadores : famílias, escola, governos e estado.
Portugal, para continuar, como entidade credível, como país soberano e respeitado da Comunidade Internacional, precisa de poder contar com as novas gerações, sobretudo, porque as outras estão a terminar o seu trabalho e já tiveram oportunidade de mostrar o que valem, com os resultados decepcionantes, que se comprovam.
Para levantar um País, é essencial que este disponha de elites válidas, verdadeiras e não só nominais, as que ocupam os cargos que lhes conferem essa distinção, que, depois, na maior parte das vezes, não honram, frustrando todos aqueles que nelas confiaram.
As elites, por definição, serão sempre em número escasso e daí mais uma razão para que tenham de ser de inquestionável qualidade, a qual se deverá entender, no seu aspecto técnico, pela lado da competência, que só existe a partir do conhecimento real dos assuntos de que tratam, mas também terá de contemplar a vertente ética, porque, sem esta, toda aquela competência se revelará improfícua.
Por havermos descurado este pormenor, temos acumulado decepções sobre decepções, com gente que considerávamos competente nos seus ofícios.
Sem a observância de códigos de ética, sem respeito de normas de comportamento, sem a fiscalização eficaz do cumprimento das Leis, toda a vida em sociedade fica desvirtuada, acabando por prevalecer toda espécie de habilidades, de esquemas, artes e manhas, semeando a corrupção.
Depois de esta ganhar raízes, torna-se muito difícil a sua extirpação, sendo certo que esta nunca virá da parte daqueles que a criaram e dela beneficiam. E com isto regressamos à actualidade.
Tal como muitos vão dizendo, o Regime instituído em 25 de Abril de 1974 está esgotado. Produz eleições, permite a alternância de partidos no governo, aceita a liberdade de expressão, não a contém, não a reprime, mas olimpicamente ignora todas as críticas que lhe fazem, dormindo sossegado pelas liberdades e franquias que concede.
Estas, porém, não produzem nenhum efeito positivo, esgotam-se em contínuas críticas, recriminações e até insultos, sem nenhum resultado prático.
Um governo vai, outro vem; um decreta restrições, outro agrava as mesmas; um diz que a salvação está próxima ou o perigo já mesmo passou, para depois descobrirmos que a realidade é completamente diferente, sempre mais grave do que aquilo que se supunha. E disto não temos passado, nos últimos cerca de três lustros.
Os escritos que melhor definiram a decepção – e raiva também – com o espírito de Abril, encontrei-os em António José Saraiva, essa figura franzina de português ilustre, que nos legou textos políticos de espantosa agudeza crítica e até premonitória, além da obra mais estritamente cultural, original e de enorme valor literário, sempre esculpida em português de lei, rigoroso, fluido, muito agradável de ler.
No início de 1979, António José Saraiva escreveu dois artigos no Diário de Notícias que causaram forte polémica, pela contundência verbal utilizada contra alguns santos e bonzos do Regime, que ninguém ousava beliscar, muito menos responsabilizar pelos actos praticados em nome dessa mesma revolução apelidada de libertadora.
Na altura, também me pareceram excessivos e, sobretudo, demasiado duros com os Militares, embora, no resto, tivesse achado muito pertinentes, pela perspicácia e pela intrepidez moral e física demonstradas, num homem que não representava partidos, sindicatos ou quaisquer agremiações, mas apenas a si próprio, com a sua cultura, a sua experiência, a sua arte, apuradíssima, na escrita de um português esmerado, de rara categoria, que já então poucos praticavam.
Com o tempo, fui reconhecendo cada vez maior razão nas críticas de AJSaraiva e, ainda hoje, procuro e não encontro nada que as haja superado, tanto no conteúdo, como na forma em que ficaram vazadas.
Em 2007, creio, divulguei-as nesta mesma tribuna e voltarei a fazê-lo em breve, para que muitos as leiam e meditem, com consciência aberta e coração limpo, para melhor acolherem todo o seu significado profundo.
Que Deus salve Portugal, já que dos homens não parece vir remédio bastante.
AV_Lisboa, 25 de Abril de 2012

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